Eleito como #36 no TOP50 da House Mag, Carlo Dall Anese se prepara para abrir a semana de Réveillon no Privilège Búzios. Mas antes, ele faz um resgate dos últimos 15 anos da cena nacional.
Por Carlo Dall Anese
No CD que fiz para o aniversário de 15 anos do Privilege fica claro não tenho como esconder que tenho um verdadeiro e sincero "caso de amor" com esse clube. São muitos anos de parceria que evoluíram para uma amizade pessoal com o staff, os sócios e o time todo. Fiquei lisonjeado em ter sido convidado para escrever essa coluna falando sobre os últimos 15 anos de música eletrônica no Brasil. Aliás, últimos não! Pois a música eletrônica no país tem um futuro brilhante e está engatinhando de maneira firme para ser uma das mais fortes do mundo.
O que ficou claro ao longo desses 15 anos é que só quem levou a coisa de maneira extremamente profissional e com muito amor ‘sobreviveu’. Muitas carreiras enormes ruíram, muitos clubes incríveis fecharam as portas e só os que levavam a coisa na mais completa responsabilidade, estrutura, profissionalismo foram os que perduraram com muita dedicação. Amor e profissionalismo foram as palavras-chave para o sucesso e os indicadores já mostram que essa equação "amor + profissionalismo = sucesso" não deve sair de moda.
A cena musical é cíclica e é até fácil de compreender para quem viveu esse mercado. Diria até que no final dos anos 80 e no começo dos anos 90 a música era uma só. Claro, existiam segmentos, mas a coisa era simples assim: música boa ou ruim. Ou, mais simples ainda: músicas que as pessoas gostavam ou não. As pessoas iam aos clubs apenas para se divertir. Não se preocupavam se o que estava tocando era mais ou menos underground e a segmentação em noites distintas era praticamente zero. Os clubs tocavam de tudo em uma mesma festa.
A figura do DJ convidado também era quase inexistente. Lembro-me bem quando tocava na Sunshine, em Santo André [SP], que tinha só um DJ para a noite inteira. O iluminador, que era também conhecido como "o segundinho", para vocês terem noção era quem fazia a seleção de lentas enquanto o residente descansava ou aproveitava o intervalo para pegar alguma ‘baranga’- quase sempre era ‘baranga’ mesmo, pois ninguém dava corda para DJ naquela época [risos]. Os DJs residentes desenvolveram uma aura de mestres, pois sabiam como ninguém como conduzir todos os gêneros por terem que tocar de tudo. Dos grooves para o Warm UP, as tracks mais pesadas para bombar a pista, Hip Hop, clássicos, Disco Music, lenta e qualquer outro estilo que tivesse a função de conduzir a noite com a pista cheia até o final.
A grande mudança veio com a segmentação de estilos e o surgimento dos DJs convidados. Alguns caras começaram a fazer um som ‘diferente’ em certos clubs. Por isso chamaram muita atenção e criaram os próprios estilos. Lembro-me bem do DJ Maurício, então residente do Us Beef Rock, tocando "quase" tudo. Ele se transformou no consagrado DJ Mau Mau, tocando no primeiro after hours do Brasil, chamado Hells Club, que era praticamente vizinho do Us Beef Rock. Arrepio ao lembrar disso e me orgulho de ser discípulo de caras como ele.
Outros ‘monstros’ do underground surgiram. Nomes importantes, como Julião, Grace Kelly Dum, Jason Bralli e eu, Carlo Dall Anese [mas não tão underground], começaram a tocar como Guest DJs nos clubs brasileiros ao lado dos grandes residentes da época, como Ricardo Guedes, Vadão, Ricardo Coppini, Badinha, Ricardo Crunfli e muitos e muitos outros. Essa especialização de DJs em certos gêneros criou uma imensa quantidade de subgêneros e nomes estranhos, que por vezes eram motivo até de brincadeira entre os DJs. Diziamos: ‘O cara é tão especializado que toca Techno-Groove-Deep-Funk, mas não um simples Techno-Groove-Deep-Funk. É um Techno-Groove-Deep-Funk mais Progressive”. E aí, entendeu? Pois é, ninguém entendia...
O fechamento desse ciclo que eu mencionei é justamente o que falei ante. O que importa é diversão (e, consequentemente, o clube encher e faturar) e a coisa está cada vez mais uma vez dividida em música boa ou ruim. Claro, não existem mais estilos tão antagônicos na mesma noite, mas é certo que o underground e o mainstream estão cada vez mais próximos.
Os elementos-chave da atualidade são o marketing e a informação, que ajudam muito, mas manipulam. Esses dois elementos ajudam a divulgar coisas boas e novas, que não teriam naturalmente tanto espaço. Contudo, também induzem e podem hipnotizar o público, em prol de uma falsa noção de qualidade ‘massificada’. O DJ número 1 é melhor do que o DJ número 500? Não necessariamente. DJ é arte e nisso não existe melhor ou pior, mas o que as pessoas preferem mais ou menos. É preciso não deixar que o Marketing e a informação ceguem esse discernimento. O público não deve se enganar pelo simples fato de um DJ ser mais famoso ou melhor rankeado do que o outro. Isso deve ser apenas uma referência para tirar suas próprias conclusões.
Essa é a chave para a continuidade da cena, não deixar que o marketing e a informação massifiquem e manipulem o público. Essa responsabilidade está nas mãos de nós DJs e dos clubs.